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Borderline: Uma perspectiva psicanalítica sobre personalidade limítrofe

Atualizado: 26 de jun. de 2023

Existem diferentes perspectivas em relação à questão do transtorno borderline. De maneira geral, essa problemática é abordada sob uma perspectiva biomédica, ou seja, pressupõe-se a existência de um padrão de sujeito considerado normal, e tudo o que foge dessa normalidade é enquadrado na categoria do patológico. No entanto, a Psicanálise não enxerga o ser humano apenas como um corpo biológico. Cada sujeito é único, possui características singulares e se constitui por meio das relações com os outros e com a sociedade. A dimensão social é um aspecto importante para a Psicanálise, uma vez que é ela que, em certa medida, molda o sujeito. Se no século XIX observavam-se impasses relacionados às conversões histéricas (mulheres que apresentavam diversas manifestações somáticas inexplicáveis pela medicina), hoje precisamos lidar com o vazio existencial. Mas de que momento atual nos referimos? E qual sujeito exatamente está sendo produzido?




No século XIX e em boa parte do século XX, se, por um lado, os valores morais e as convenções sociais aprisionavam o indivíduo e tolhiam sua liberdade, por outro, asseguravam a estabilidade nas relações e mostravam um caminho a ser seguido. Hoje, a modernidade produz relações sociais, econômicas e de produção frágeis, fugazes e maleáveis, possibilitando a quebra dos laços de solidariedade, potencializando o individualismo, incentivando a competição e acentuando, assim, a instabilidade nos relacionamentos. Essa transformação social, onde tudo é consumido e substituído rapidamente, provocou uma profunda crise existencial nos sujeitos. Se antes a questão central era a falta e os limites, hoje nos deparamos cada vez mais com a solidão, a depressão, a perda de sentido da vida, a futilidade da existência e a crise de identidade. Nesse sentido, as angústias e outras características observadas na clínica em pessoas com organização psíquica borderline podem também se apresentar em qualquer sujeito inserido nesse mundo confuso e com parâmetros cada vez mais indefinidos.


Entretanto, no transtorno borderline, toda a angústia, o vazio e o medo do rompimento das relações significativas são amplificados. Há uma constante busca por apoio e acolhimento, difíceis de serem encontrados na atualidade. De forma geral, as pessoas limítrofes (ou borderline) sentem uma angústia muito grande frente à separação e quebra de vínculos; possuem uma instabilidade muito grande na sua autoestima e utilizam mecanismos de defesa muito primitivos, isto é, lançam mão de formas de proteção psíquica primárias como a idealização (o objeto afetivo é perfeito, não possui defeitos), a paranoia (sentimentos de perseguição ou traição irreais), sentimentos onipotentes (sentem-se grandiosos, inabaláveis), uma visão de tudo ou nada e negação da realidade (quanto mais medo, angústia, pânico frente a alguma situação de desamparo e perda das bases, nega-se o que mais se teme para se proteger).


Esses são traços básicos que se observam em todo indivíduo que tem uma organização borderline, porém, algumas outras características podem estar presentes também, como impulsividade, acessos de raiva e explosões, sentimento de vazio crônico, relacionamentos idealizados - intensos e instáveis - dificuldade em lidar com as frustrações, dificuldade em ceder seu ponto de vista, em levar adiante as atividades que inicia, certa incapacidade de perceber o outro, em muitas situações, sente-se invadido e possui dificuldade em confiar em outras pessoas.


Mas se a Psicanálise não enxerga o borderline como uma pessoa doente, então qual é o sentido da terapia? Na realidade, o papel fundamental da análise é aliviar o sofrimento do sujeito. Se aquilo que se é, ou a forma de estar no mundo, angustia, causa dor e adoece, então a terapia pode ajudar no processo de entender essa dor, compreender o que se é para melhor lidar com sua existência singular. O autoconhecimento das limitações e fragilidades possibilita pensar em novas alternativas para lidar com uma existência muitas vezes difícil. Por outro lado, a análise também colabora na descoberta das potencialidades e oferece caminhos para entender os próprios desejos. No caso de pacientes borderline, a terapia é ainda mais importante, pois tem se mostrado a forma mais eficaz de aliviar o sofrimento desses indivíduos. Isso porque as medicações – apesar de serem aliadas em tempos críticos – não se mostram eficazes a longo prazo. Nesse sentido, é preciso que essa jornada, travada entre analista e analisante, seja de muito cuidado, cumplicidade e afeto.


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Fontes utilizadas:

Hegenberg, Mauro. Borderline. São Paulos: Ed. Casa do Psicólogo, 2009.

Oliveira, Bruno Quintino de. A Técnica Psicanalítica nos casos-limite: confrontando fronteira. Rio de Janeiro: INM Editora, 2022



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